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A ideias do virtuose Guilherme Arantes

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Guilherme Arantes aprendeu música a partir dos 4 anos por influência do pai. Iniciou-se no cavaquinho, pouco depois trocado por um bandolim, mas foi mesmo no piano que ele encontrou abrigo aos 6 anos. Em 1973, após passar por experiências amadoras, estreia como músico profissional tocando junto ao grupo de Jorge Mautner. Naquele mesmo ano forma a banda Moto Perpétuo, misturando rock progressivo e música brasileira, que teve um LP lançado em 1974. Em 1975, com sua saída do grupo Moto Perpétuo, resolve seguir carreira solo como compositor, e lança seu primeiro LP em 1976, pela Som Livre. Este LP incluía entre outros sucessos, “Meu Mundo e Nada Mais”, “Cidade e a Neblina” e “Descer a Serra” (Sorocabana). Em 1977 lança o disco “Ronda Noturna”, também pela Som livre (mais um LP de grandes sucessos). Após um impasse contratual com a influente gravadora carioca, Guilherme passa a fazer parte do grupo multinacional Warner Music (WEA), ficando alguns anos afastado da mídia, por conta de projetos não tão populares, tais como: “A Cara e a Coragem” (1978), “Estatística” (1979) e “Coração Paulista” (1980) lançados naquele intervalo. Em 1981 é lançado o single “Planeta Água”, canção considerada definitiva e histórica pela crítica, por outros músicos e pelo público. Neste ano o cantor e compositor completa 40 anos de uma carreira vitoriosa.

Guilherme, quando o seu nome foi listado para fazer parte como um dos nossos entrevistados, o que foi mais dito por aqui internamente é que acertarmos em cheio, afinal você é um dos caras mais verdadeiros do mundo da música em nosso país. Como reage quando alguém se refere, que naquilo que se propõem a fazer existe muita verdade?

Não faço julgamento a respeito… Eu sempre fui o que eu sou, desde tenra idade, e praticamente tudo que eu fiz de certa forma é autobiográfico, bem pessoal, esse é o meu jeito, com vantagens e desvantagens: há limitações em ser assim, às vezes, em que fantasiar era a moda, me vi de fora da cena. Mas como o que vale é o que nos acontece a longo prazo, o que fica é a essência mais legítima… John Lennon, meu mestre de sempre, ensinava isso, e lutou por isso, então eu sigo esse caminho…

Qual a lembrança mais ativa em sua mente, que você ainda tem da antológica banda de rock progressivo Moto Perpétuo?

A qualidade musical de todos, a sinergia que aflorava nos ensaios na casa do Brás, a pegada mortal de todos nós, a nossa ideologia e todo o idealismo, a profundidade profética do Diógenes Burani, a afetividade coesiva do Cláudio Lucci, a propensão para o inusitado do Gerson Tatini, e a doçura e generosidade do Egydio Conde. Todos tocávamos muito, criávamos muito, éramos muito jovens pra avaliar o gigantismo da nossa aventura. Um orgulho eterno pra mim.

Você é considerado um bom tecladista, um grande melodista e um dos maiores “hitmakers” do nosso país. Quando cada uma destas facetas apareceu de uma forma estrutural em sua vitoriosa carreira?

Não sou muito técnico como tecladista, sou “basicão”, como eu gosto de ser… O virtuosismo exibicionista nunca me atraiu, embora mestres como Keith Emerson, Rick Wakeman e Vangelis ensinaram que, mesmo no virtuosismo extremo o que vale é o talento criativo, a beleza. Enveredei por esses caminhos progressivos nos anos 70, seguindo uma moda geracional. Melodista sei que sou desde menino, desde 8, 9 anos de idade, “imitando” os mestres como Ray Charles, Tom Jobim, e mais tarde os Beatles, a onda do rock dos anos 60 e 70. O período fervilhante daqueles anos foi muito enriquecedor, ajudou muito a criar um espírito de busca e de superação. Já o epíteto de “hitmaker” é uma forma de qualificação que parece ser um elogio, mas, na verdade, é pejorativa. Depende muito da época, de uma adaptação a um ambiente que é de puro “marketing”: uma relação marqueteira com o mercado. Quem cravou isso foi a Elis, quando fiz “Aprendendo a Jogar”: era tudo o que ele mais precisava na época, um ‘”hit”. Sou feliz de ter acertado tantas vezes, mas não acredito nesse mito de “midas”, o cara que acerta quase sempre. Marketing e mercado são coisas que devemos desconfiar, sempre.

Quando se compõem e finaliza uma canção, é possível ter a impressão que aquilo pode se tornar um hit?

Às vezes dá esse “farejamento” do cheirinho do sucesso, mas é bom ter um pé atrás com isso. Cada época tem os seus “gimmicks” [recursos para atrair a atenção do público], os seus ganchos estéticos, suas gírias, os costumes das pessoas, a linguagem de cada geração. Isso é perigoso de viver procurando, sempre tem um componente picareta na esperteza… Música não é um caça-níqueis. Isso sempre se provou um mau caminho e fica ridículo quando o contexto de uma fórmula barata se torna obsoleto, não é arte. O espírito da coisa duradoura é fazer uma música bem feita, com estrutura bem pensada, com saídas originais e uma verdade que possa sobreviver há erosão do tempo.

Seu pai era um músico amador que tocava violão, cavaquinho e bandolim de ouvido. O que você herdou dele na parte musical?

Herdei tudo do papai. Tudo da música eu devo a ele, o genial Dr. Gelson Arantes, um médico-cirurgião monumental, um farmacologista de mão-cheia. Herdei o espírito de luta, a honradez, a vergonha na cara. Na música, herdei o ouvido absoluto, o dom de tirar as coisas de ouvidos, e tenho certeza que ele era muito superior a mim em tudo. A família Lima Verde, do Crato, Ceará, é o veio dessa herança musical, e legitimamente brasileira, com muita erudição: um orgulho cromossômico.

Captain Beyond é sem dúvida a sua maior influência. Gostaríamos de saber como foi a primeira sensação quando você ouviu a banda que tinha entre outros, o guitarrista e gênio Larry Reinhardt?

Quem me mostrou esse disco (e esse é um amigo a quem eu devo muito) foi o monumental baterista Rolando Castelo, o Junior (do que seria o futuro Patrulha do Espaço). Foi um deslumbre total, uma banda pouco conhecida pelo grande público, misteriosa, mas absolutamente seminal. Com os monstros Rod Evans e Lee Dorman, o genial baterista Bobby Caldwell, era uma mega banda inigualável, trazendo elementos musicais do Iron Buterfly, do Deep Purple. Fizeram um álbum maravilhosamente viageiro, muito virtuosístico, mas com uma “pegada” fulminante, que jamais cansei ou vou cansar de ouvir.

Qual foi o detalhe pessoal na produção dos seus discos, que permaneceu intacto em suas gravações de estúdio, desde “Guilherme Arantes” de 1976 até “Condição Humana” de 2013, que passa despercebido para quem ouve, mas que para você faz toda a diferença?

As sub-melodias. O trabalho sub-melódico é um tecido trabalhoso que acontece por trás da melodia. Ouça “A Whiter Shade of Pale”, do Procol Harum, e preste atenção no órgão que corre por trás: esse é o segredo de um estilo. Esse é o meu estilo. Não se trata simplesmente de sair fazendo canções em forma de baladas com um piano batidão de acordes empilhados, sem um amálgama entre si. É muito mais que isso.

Alguns anos atrás, você disse que a cena musical brasileira está uma chatice. Quem você considera ser o principal culpado por este momento insosso da música do nosso país?

O pano de fundo é a depauperação da Classe Média, e até a sua demonização pelos ideólogos da fórmula gramscista-tabajara que tentou se implantar no Brasil. A decomposição da educação e a perversão do elogio ao crime e à banalização da violência, o culto à ignorância. O que se poderia esperar? Houve até uma adesão da intelectualidade, na elegia da burrice e da esculhambação como legitimidade estética de classes excluídas. Tudo falso, tudo fabricado. Criaram-se caricaturas de sertanejo, caricaturas de pagode, caricaturas de axé, na intenção de que se consolide que essa é a cara da arte popular. É um cenário virtual, um “matrix” mentiroso. Triunfou (e muito especialmente no Brasil – talvez como em nenhum outro país) o utilitarismo comercial, o entretenimento raso, que faz a música ser um mero coadjuvante da “balada”. O verdadeiro protagonista é o público, que a tudo filma e publica – e aqui, “balada” no sentido de festa de azaração, da celebração coletiva de um caráter orgiástico careta: a moda é que é rasteira, o que deixa a desejar é a “atitude de galera”, que é completamente diversa do que outras gerações ou culturas históricas alimentaram, que privilegiavam a transformação do mundo, a viagem sensorial, o delírio, os anseios de transposição para outra realidade, ou até mesmo rito espiritualístico, ou satânico: tudo é melhor que isto que estamos vivendo, que é de uma caretice total. E até as drogas se tornam absolutamente caretas, não há escape. Mas veja bem: penso que não há mal nenhum em se produzir ou consumir o “entertainment”… hoje em dia foram vitoriosos os “entertainers” sobre os transformadores.

O que são Rihanna, Beyoncé, Justin Timberlake, Drake, Katy Perry, senão “enternainers?” Michael Jackson, Madonna, foram sempre entertainers. Só que há uma preocupação com qualidade e até as letras trazem componentes de transformação, de transgressão da prisão da realidade. Até o Justin Bieber se tornou um grande cantor, com músicas boas e letras excelentes, arranjos bem bolados. Na Europa, Adele, Sam Smith, Sia, Mia, Björk, fazem excelentes trabalhos no pop beirando a vanguarda, ou mergulhando nela, sem abandonarem o show business. A cena de world music é fervilhante na França, na Alemanha, na Holanda, na Espanha, a eletrônica nos países nórdicos… Mas são culturas de Classe Média – até o Japão e a Coreia são de Classe Média. O Brasil escolheu destruir o pouco que restava de sua Classe Média. Hoje ela está pobre. Outro fator fortíssimo (e ainda mais maligno) é a concorrência de interesses alienígenas à música, propriamente dita: criando-se financiamentos e espaços especiais, por exemplo: alicerçado no agronegócio no caso do “mundo sertanejo”, ou no “mundo do neo-forró” , que é o sertanejo do Norte/Nordeste, e outros gêneros cujo sucesso é alicerçado na cultura do tráfico e na indústria do crime, como acontece com parte do Funk e do Pagodão… e por aí afora… Mas o Brasil é um país com uma excelente cultura de Classe Média, basta lembrar da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo, do Clube da Esquina, do RockBr. Uma hora isso retorna.

O que sobra artisticamente falando na sua produtora Coaxo do Sapo, e que faltava em algumas gravadoras que você já trabalhou?

Autonomia e resiliência: vamos sobreviver, independentemente da “viabilidade”.

Muitos compositores reclamam do digital, dizendo que mais atrapalha do que ajuda, principalmente na questão comercial. Qual a sua visão sobre este assunto?

Ajuda na liberdade, inclusive da difusão e distribuição, mas ainda há um gargalo nessa questão comercial. Mas é uma defasagem do Brasil, onde tudo (ainda) está muito errado.

Além da fé na sua arte, o que um artista que faz “música pra gente grande” não pode perder, quando vê o mercado inundado por produções musicais efêmeras e descartáveis?

É o lúdico que acaba segurando a barra: em resumo, não pode perder o prazer.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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