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A urbe pela ótica de Cristiano Mascaro

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Cristiano Mascaro é um dos mais importantes fotógrafos da urbe e da arquitetura da capital paulista, que documenta sistematicamente há mais de duas décadas. Atuou como repórter fotográfico na revista Veja, entre 1968 e 1972. Mestre em estruturas ambientais urbanas, com a dissertação “O Uso da Fotografia na Interpretação do Espaço Urbano” (1986) e “Doutor” (1994), com a tese “A Fotografia e a Arquitetura”, ambos pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde dirigiu o Laboratório de Recursos Audiovisuais entre 1974 e 1988. Foi professor de fotojornalismo da Enfoco Escola de Fotografia (1972-1975) e de Comunicação Visual na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (1976-1986). “Estamos vivendo uma situação inédita em que todos fotografam. Até um tempo atrás, dizia-se que não havia ninguém no mundo que não tivesse tirado uma fotografia. Hoje podemos dizer que não há ninguém no mundo que não tenha tirado milhares de fotografias. Mas isto não me assusta, pelo contrário. Sei que há o risco da banalização e da efemeridade, mas há também o surgimento de algo novo, o sentimento de que todos também são capazes de criar imagens o que na minha opinião favorece o conhecimento e o respeito pelas fotografias criadas pelos fotógrafos”, afirma o profissional que tem na arquitetura das cidades um dos eixos fundamentais de sua obra.

Cristiano, como você foi seduzido pela fotografia?

Estava estudando arquitetura e não me recordo de, naquela época, ter alguma atração pela fotografia até que, ao acaso, descobri na biblioteca da faculdade o livro “Images à la Sauvette” com fotografias de Henri Cartier-Bresson [fotógrafo, fotojornalista e desenhista francês, 1908 – 2004]. Foi um “espanto” muito grande. Jamais havia visto imagens tão sensíveis e precisas, sobretudo da vida cotidiana. Imagens que iluminavam cenas banais tornando-as poderosas. Foi o bastante para, num repente, decidir que queria ser fotógrafo.

Em que momento você acredita que a fotografia torna-se mais social?

Os fotógrafos já haviam ensaiado abordar temas sociais a partir de meados do século XIX. No entanto, me parece que não havia ainda uma articulação ou premeditação de denúncia. Não sou exatamente um historiador, no entanto, imagino que o primeiro trabalho realizado com um propósito claramente denunciatório foi de Jacob Riis por volta de 1890 abordando a vida miserável de pessoas que viviam nas ruas de Nova York. Em seguida, no início do século XX Lewis Hine [fotógrafo e sociólogo estadunidense pioneiro da fotografia documental e importante figura da mudança na legislação de trabalho infantil nos Estados Unidos, 1874 – 1940] viaja pelos estados Unidos fotografando a exploração do trabalho infantil, trabalho que provocou a mudança da legislação a respeito do tema. Já em pleno século XX, com o surgimento de diversas revistas ilustradas, a fotografia como denúncia social tornou-se um tema recorrente. Talvez o trabalho mais emblemático tenha sido realizado por William Eugene Smith [fotojornalista norte-americano, 1918 – 1978] em Minamata cidade japonesa de pescadores que teve a água do mar envenenada pelo mercúrio despejado por uma indústria local. Mas apesar da lição que nos deixou o trabalho de Lewis Hine, não penso que a fotografia social tenha força suficiente para mudar todos os males do mundo. No entanto, acredito que publicada na forma fotojornalística ela tem uma capacidade de conscientização inegável, o que de uma certa forma pode levar a algumas mudanças. Ao contrário, se ela se limitar a ser veiculada em edições de livros de luxo, penso que isto somente dará a sensação aos leitores que os adquirem de que apoiam a causa, batalham e sofrem por ela. Nada disto, eles simplesmente compraram o livro.

Como você encontrou a sua maneira única de fotografar que distingue o seu trabalho de outros profissionais?

Bem, existe aquela frase “Cada um é cada um” em qualquer atividade ligada à criação o que dá o direito de toda pessoa realizar um trabalho à sua maneira. No meu caso, juntaram-se duas coisas: a paixão pela fotografia e o encanto pelas cidades, pelo o que acontece nas calçadas, pela grandiosidade das construções. E vivendo em uma cidade como São Paulo, pude desenvolver meu trabalho de documentação urbana com muitos “assuntos” para explorar e com bastante liberdade. É que depois de uma breve experiência no jornalismo – o que me foi muito útil – passei um bom tempo novamente na Universidade onde voltei a estudar, fiz Mestrado e Doutorado, e só fotografava o que me interessava, livre das pautas muitas vezes cruéis da publicidade e dos trabalhos encomendados.

Quais os fotógrafos que lhe influenciaram?

Evidentemente, Cartier-Bresson e tantos outros de quem fui descobrindo as fotografias e aprendendo com eles: André Kertézs [fotógrafo húngaro, 1894 – 1985], Robert Frank [fotógrafo suíço, 1924 – ], Irving Penn [fotógrafo norte-americano. Penn começou sua carreira como fotógrafo em meados da década de 1940. Três anos mais tarde passou a fazer trabalhos para a revista “Vogue”, onde trabalhou por muitas décadas, 1917 – 2009], Charles Harbutt [fotógrafo norte-americano, 1935 – 2015], Bruce Davidson [fotógrafo norte-americano, 1933 – ], Paul Strand [fotógrafo norte-americano, 1890 – 1976], todos da Farm Security Association e muitos outros. Mais tarde, comecei a me inteirar dos brasileiros: Thomaz Farkas [um dos pioneiros da moderna fotografia do Brasil. Húngaro de nascimento, Farkas veio para o Brasil quando criança, em 1930, 1924 – 2011], José Medeiros [fotógrafo, 1921 – 1990], Marcel Gautherot [fotógrafo franco-brasileiro, 1910 – 1996], os modernistas, em geral. E mais tarde ainda, Mario Cravo Neto [fotógrafo e escultor brasileiro. Filho do escultor Mário Cravo Júnior, viveu em Nova Iorque entre 1968 e 1970, onde estudou na Art Student League, 1947 – 2009]. Fiquei impressionado com seus retratos.

Fale um pouco sobre sua passagem pela revista Veja.

Foi o que mais desejei naquela época de descoberta da fotografia, influenciado pelos fotógrafos da Magnum: ser um repórter fotográfico. Foi uma experiência curta, de pouco mais de 3 anos, mas que me marcou definitivamente. Lá aprendi a cumprir tarefas independentemente das dificuldades encontradas. Vivíamos em uma época terrível de censura à imprensa, obra de uma Ditadura Militar e fotografar era sempre um risco que se corria. Hoje, percebo que esta experiência, somada à minha formação de arquiteto, moldou a minha forma de fotografar.

O que acredita que mudou (além da parte técnica) no fotojornalismo da época em que atuava em Veja para os dias atuais?

Não sei se mudou muito, principalmente na importância e respeito que se dá ao trabalho dos fotógrafos. O fotógrafo é sempre colocado de forma obscura ao lado do repórter. É só reparar na diferença entre os créditos dados a um e a outro apesar dos ótimos fotógrafos dos jornais editados em São Paulo, a Folha e o Estadão.

Você é um dos mais importantes fotógrafos da arquitetura da capital paulista. Quando esta área em especial começou a lhe chamar a atenção?

Não me vejo como tal, apesar de já ter fotografado inúmeros edifícios não só na capital paulista, mas também em todo o Brasil e em outras cidades pelo mundo afora. Digo isto porque raramente fotografo por solicitação de um arquiteto ou de revista especializada que, com razão, desejam as fotos, digamos, “clássicas” de arquitetura. Minha relação com a arquitetura é de total liberdade e de admiração pelo que ela representa, mesmo que não seja uma obra de qualidade. Me seduz igualmente o seu conjunto, o grande cenário urbano construído pelo homem.

Um bom fotógrafo, deve desafiar o conhecido ou o desconhecido?

Há sempre as duas situações e é preciso não cair em suas armadilhas. Prefiro o conhecido por conta das experiências vividas, mas há o perigo da repetição. O desconhecido pode nos proporcionar o inédito, por exemplo, mas podemos ficar na superficialidade.

Quais os elementos necessários para se obter uma grande fotografia?

Difícil dizer, até porque vivemos uma época em que o conceito clássico do que seja uma fotografia está sendo questionado. Fala-se em “fotografia contemporânea”, “fotografia conceitual”, o escambau. E muitos fotógrafos agora querem ser identificados com “artistas visuais”. Face a esta nova situação, para mim, fica valendo ter paixão pelo o que se está fazendo. Não se esquecendo da necessidade de ter talento, obviamente.

O digital e suas tecnologias trouxeram efemeridade para as fotos em algum grau?

Estamos vivendo uma situação inédita em que todos fotografam. Até um tempo atrás, dizia-se que não havia ninguém no mundo que não tivesse tirado uma fotografia. Hoje podemos dizer que não há ninguém no mundo que não tenha tirado milhares de fotografias. Mas isto não me assusta, pelo contrário. Sei que há o risco da banalização e da efemeridade, mas há também o surgimento de algo novo, o sentimento de que todos também são capazes de criar imagens o que na minha opinião favorece o conhecimento e o respeito pelas fotografias criadas pelos fotógrafos.

Goethe dizia que a arquitetura é a música petrificada. Qual a sua visão sobre a arquitetura e como traduzir toda essas “belas canções” em uma fotografia?

Mário de Andrade também dizia que “A arquitetura é uma música e a música é uma arquitetura”. Ambos têm razão. Além disto, a arquitetura são pegadas que o homem deixou ao longo de sua história. Seguindo-as, desde os primeiros abrigos para se proteger das intempéries, passando pelas pirâmides, templos gregos, romanos, etc, etc, até os dias de hoje, as construções sejam elas religiosas, civis, militares ou simples moradias, são o retrato nítido e emocionante do desenvolvimento do conhecimento técnico e da capacidade criadora da humanidade.

Última atualização da matéria foi há 9 meses


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