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Claudio Tozzi e as várias formas do seu trabalho

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Claudio Tozzi estudou no Colégio de Aplicação da USP onde foi incentivado pela sua professora de artes a criar cartazes, colagens e composição abstratas. No início da década de 1960, influenciado pelas notícias da Guerra do Vietnã, criou sua primeira obra, intitulada “Paz”. Pouco depois, venceu o concurso de cartazes para o XI Salão Paulista de Arte Moderna, iniciando sua carreira de artista gráfico. Entre 1963 e 1968, cursou arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU – USP). Em 1969 fez uma viagem de estudos à Europa, quando realizou as séries “Astronautas” e “Parafusos”, com gravuras, objetos e pinturas. Na década de 1970, foi um dos idealizadores do Cinemobiles, juntamente com Abrão Berman, quando aventurou-se nas artes cinematográficas, realizando curta-metragens no formato super 8. São de sua autoria os filmes “Grama”, “Fotograma”, “A Morte da Galinha” e “Seio”. Ainda na década de 1970, desenvolveu pesquisas cromáticas e nos anos de 1980, trabalhou com temáticas figurativas. O artista expôs o seu trabalho em várias exposições nacionais, internacionais e suas principais obras são: “Guevara, Vivo ou Morto” (serigrafia que vendia em estádios de futebol e praças no final da década de 1960), “Mão/Multidão/Mão”, “Veja o nú”, “Desta vez eu consigo fugir”, “Trama reticular urbana”, entre muitas outras.

Claudio, você é um homem de múltiplas atividades. Em que momento você acredita que elas se conectam?

Penso que a formação do artista plástico deve ser bastante ampla e abrangente. Neste sentido, todo trabalho de ateliê, todo trabalho de aula, o próprio fato de visitar uma exposição e entrar em contato com o trabalho de outros artistas e com outras linguagens visuais é importante para sua obra. O artista não deve ser só o homem que trabalha no ateliê. O artista do nosso século é um homem ativo, que acima de tudo tem que ter um pensamento, uma visão de mundo que possa refletir em toda a sua atividade e também em sua obra. Ele constrói uma linguagem pessoal, um pensamento, sua visão do mundo. São múltiplas atividades.

Por que escolheu a pintura?

Foi uma atitude espontânea. Desde criança observava detalhes das coisas e interpretava com pequenos desenhos. Estudei em colégios que estimulavam esta atividade. Aos 20 anos já produzia trabalhos que participavam de exposições coletivas e salões de arte que eram importantes na época para a divulgação do trabalho. A partir de então a pintura se tornou uma atividade cotidiana. No atelier pesquisava novos materiais, novos procedimentos que permitiram transcender a superfície da tela e refletir sobre a questão da própria construção do espaço com novos materiais e uma busca de novas formas que veio determinar uma linguagem nova. Experimentei novas tintas, novos processos de trabalho e isso me permitiu construir uma linguagem pessoal. A pintura para mim é vital. Essa relação da forma com o mundo é uma constante e está sempre presente como se eu estivesse começando a pintar hoje.

Que caminhos lhe levaram para a arquitetura?

A Faculdade de Arquitetura da USP oferece um curriculum fundamentado em seus departamentos de História, Projeto (Edificações, Planejamento Urbano, Programação Visual) e Tecnologia. Essa formação ampla permite ao artista resolver questões que transcendem o formato bidimensional da tela. Tais disciplinas permitem estruturar o pensamento para interferir no espaço do edifício e da cidade. Possibilita o ato de pintar ou de projetar painéis para a cidade e para o edifício, assim como fiz vários aqui em São Paulo. Para realizar tais trabalhos é necessário conhecer as relações de formas, ângulos de visão, escala, relações de cheios e vazios, e leituras do próprio espaço urbano, para que você crie uma obra que seja adequada à cidade. Esta formação da FAU – USP me possibilita realizar um trabalho de múltiplas soluções ampliando e expandindo os procedimentos para a elaboração de obras em edifícios e espaços públicos da cidade. Realizei várias obras.

Quais os pilares que moldam sua visão enquanto programador visual?

A parte do curso que realmente me interessava na FAU – USP era a comunicação visual. Logo no início de minha graduação, no segundo ano, montei com mais três colegas da faculdade um ateliê chamado Ateliê Quatro em que começamos a fazer vários projetos gráficos de cartazes para shows de bossa nova e identidade visual de empresas. Era uma forma de atingirmos um público amplo através da multiplicação da imagem. Se você fazia, por exemplo, um logotipo, um cartaz ou qualquer coisa que fosse impressa ela teria uma divulgação bastante grande. Era uma forma de associar a imagem a um processo industrial de produção. Hoje se faz muito isso. Existe uma interface entre o design e a arquitetura, entre o design e as artes plásticas, entre as artes plásticas e a arquitetura, toda essa interdisciplinaridade já estava presente como intenção naquele momento em que tínhamos o ateliê de programação visual.

A arte deve ter um papel social?

O simples fato de você produzir uma linguagem que expresse uma forma, que expresse um pensamento já é uma atitude social e política. Mesmo que você realize um trabalho que acople formas geométricas e ter uma estrutura básica, um trabalho construído, você está manifestando um ato social, um ato político uma intensão de interferir na organização da sociedade. No meu trabalho da década de 60 trabalhava com imagens que sempre tinham um significado, vivíamos um momento de muita opressão pela Ditadura Militar e tínhamos pouca possibilidade de fazer ações, era um momento de muita repressão. A pintura tinha uma imagem bastante forte, era um protesto. Continha uma intensão de luta, uma intensão de contestar a opressão em que vivíamos. Atualmente meu trabalho é mais construído, ele tem uma estrutura clara que reflete também uma vontade de construir uma sociedade mais organizada e justa.

O que a década de 60 representou para você como artista e homem do seu tempo?

Na década de 60 houve uma grande revolução de linguagem na arte brasileira: o cinema novo, a bossa nova, uma série de artistas que produziam um trabalho de contestação à guerra e contra a estrutura e as tradições de uma sociedade mais conservadora. Num momento mais específico, contra a Ditadura Militar e principalmente contra o Ato Institucional 5 que travou totalmente a produção cultural do Brasil. Foi uma década em que os artistas se uniram, existia uma linguagem quase que coletiva em função de uma luta contra a repressão. Trabalhei muito com a apropriação de imagens, um conceito de Marcel Duchamp, mas sempre com o sentido de ter uma característica que refletia as questões de nosso país. Enquanto na Pop Art americana os artistas contestavam em suas obras, o consumismo, Andy Warhol, por exemplo, usando a sopa Campbells, a arte brasileira preocupava-se em contestar a opressão em que vivíamos. Trabalhei com imagens de estudantes sendo presos, as lutas populares, as passeatas, enfim, com todos os elementos que traduziam os acontecimentos daquele momento. Trabalhava com uma linguagem bastante simples de ser compreendida utilizando elementos das histórias em quadrinhos e da comunicação de massa, fotografias e textos. Um trabalho que pretendia sair de um espaço mais tradicional, para se comunicar com um público mais amplo.

De onde veio a inspiração do painel “Guevara, Vivo ou Morto?”.

Fiz o “Guevara, Vivo ou Morto” logo após a morte do Che. Morreu no dia 9 de outubro e comecei a fazer o trabalho no dia seguinte, levou mais ou menos um mês para executar. O trabalho foi exposto no Salão de Brasília onde foi apreendido e parcialmente destruído, depois de aproximadamente 4 anos voltou para o meu ateliê e foi restaurado. Esteve exposto no MALBA por um ano, depois foi para uma coleção nos Estados Unidos e finalmente está em uma coleção em São Paulo. Será exposto em uma exposição sobre os trabalhos que foram reprimidos nos anos 60. Trata-se fundamentalmente de uma série de imagens que caracterizam uma luta revolucionária simbolizada pela imagem do Che e outras imagens que representam a fome e a luta que atingem os povos dos países subdesenvolvidos, principalmente na América Latina.

Já reaproveitou em trabalhos novos ideias de trabalhos antigos?

Em geral, a produção do ateliê tem um fio condutor. Desde os meus primeiros trabalhos que abordavam a Guerra do Vietnã existe uma estrutura muito definida, nos trabalhos mais recentes essa estrutura também está presente. Existe uma coerência de forma entre a produção de todos esses anos. Em algumas fases quando a pintura contém temas específicos, as imagens são organizadas obedecendo um rigor formal e uma estrutura que constrói o seu campo visual. Creio que em meu trabalho existe uma coerência em todas as suas fases que é um pensamento de construir o espaço, o campo da pintura, sempre organizando uma estrutura que contém as formas e que dá a unidade ao trabalho.

Em que momento você acredita ter desempenhado seu melhor “baile nos espaços?”.

Todo o meu trabalho propõe formas, linhas e cores que dançam sobre a tela e buscam uma harmonia. Tem um momento em que fiz uma série que se chama exatamente “Dança”. São formas superpostas, formas que se completam criando uma dinâmica bastante grande no espaço sempre dentro de uma estrutura organizada. Creio que o trabalho mais recente composto por formas que rompem com a própria tela, são estruturas que preenchem o espaço criando vazios, criando uma dinâmica visual que realça esse baile, essa relação entre as formas.

Roy Lichtenstein e Andy Warhol o influenciaram de que maneira?

Ganhei do meu pai um episcópio, um projetor onde uma imagem é colocada sob um vidro que através de um espelho e sua lâmpada projeta na parede uma ampliação desta imagem. Isto me fascinava. Fazia pequenos desenhos, os projetava e ficava observando-os em sua escala ampliada. Passei a desenhar imagens especificamente para vê-las grandes. Conheci a pintura de Lichtenstein e de Andy Warhol que trabalhavam com a mesma questão de utilizar uma imagem impressa, uma embalagem de sopa que já existia e transformavam em arte. Nos primeiros quadros com imagem de histórias em quadrinhos tive estímulo propiciado pelo encontro com suas obras. Procurei estudar suas técnicas (tintas acrílicas liquitex) e aplicá-las em meu trabalho. A tinta acrílica “liquitex” permitia uma pintura com um procedimento novo permitindo soluções contemporâneas para a imagem. Embora nos apropriássemos de uma linguagem utilizada pelos artistas pop, nossa produção tinha uma forte conotação brasileira, mais ligada à situação política que enfrentávamos aqui. Mas logo ocorreu uma independência, pois as imagens que produzia adquiriram uma linguagem mais pessoal que se tornou característica do meu trabalho.

O que um artista não pode perder após décadas de carreira como é o seu caso?

O artista tem que se sentir sempre começando. Ele tem que ter vontade de fazer, de observar muito, pensar e refletir sobre a transformação da linguagem. Estar atento ao novo, à existência de uma tecnologia nova que é incorporada ao trabalho. O novos meios, os computadores e os video mappings podem ser utilizados para elaborar uma imagem, para fazer uma nova pesquisa, para reelaborar uma imagem. É preciso estar sempre atento a essa forma nova de trabalho, é uma coisa que sempre tive, que me incentiva. Nunca podemos nos acomodar em uma determinada linguagem, temos que acompanhar toda a tecnologia e o desenvolvimento do processo histórico de transformação da imagem. Hoje, por exemplo, a pintura se apropria de vários elementos. Existem novas cores, novas tintas que podem ser retrabalhadas criando um novo espaço para a obra. É muito importante essa atenção às coisas novas do mundo e também ao trabalho. O trabalho constante, a concentração, a observação do espaço ou do objeto com o olhar da arte nos permitem a construção de novos espaços e de novas imagens, a transformação daquele objeto em uma obra de arte.

Última atualização da matéria foi há 5 meses


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