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Nuno Mindelis fala de legado e reconhecimento

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Nuno Mindelis é um músico luso-brasileiro considerado um dos mais conceituados guitarristas da atualidade. Aos nove anos já tocava em instrumentos confeccionados por ele. Durante sua infância ouviu grandes nomes do blues. Em 1975, morando no Canadá, formou uma banda de blues, passando a tocar em jam e clubes locais. Um ano depois decidiu unir-se à família, vindo também morar no Brasil. Em 1990 lança seu primeiro disco, “Blues & Derivados”, que é amplamente elogiado pela crítica. Em 1992, lança seu segundo álbum, “Long Distance Blues”, passando a tocar em festivais de blues. Em 1994, veio o reconhecimento internacional pela revista “Guitar Player” americana. Em 1998 a consagração definitiva: Nuno é eleito o melhor guitarrista de blues segundo o concurso mundial de aniversário de 30 anos da revista. Está na calçada da fama na Polônia junto com nomes que escreveram a história do rock e do blues como Eric Burdon & The Animals, Ten Years After, Yardbirds, Canned Heat, Mick Taylor (ex-Stones, Clapton…), Billy Gibbons (ZZ Top), Cream, Ginger Baker e Jack Bruce, The Blues Brothers, Joe Bonamassa e Warren Hynes (Allman Brothers). “Quando você atinge um determinado nível de proficiência e intimidade com a sua atividade (seja qual for), o resultado passa (para a média) a ideia de ser “fácil”. Essa percepção é no mínimo ingênua e no máximo redutora”, diz o exímio guitarrista.

Nuno, o que é vital na vida de um músico depois de tantos anos exercendo o seu ofício com apuro?

O legado e o reconhecimento são vitais. Vital por seu étimo significa vida, no sentido de ser o que a mantém e o que lhe é essencial. Assim, ainda que eu pudesse imaginar um possível legado póstumo, não usufruo de reconhecimento pleno se este não for “in vita”. Por isso vital. E garanto que ainda não cheguei lá.

O que a música lhe ensinou e que foi mais que um mantra para toda a sua vida?

A salvação (psicológica, emocional), a importância da obstinação, da disciplina, do trabalho. A música me ensinou a própria vida porque no meu caso se confunde com ela. Minhas células são musicais.

Em que momento você acredita que ela [música] exerce um papel mais social?

No momento em que muda vidas. Durante shows (diurnos, geralmente ao ar livre e em regiões carentes) pude observar um brilho diferente nos olhos de crianças e perceber claramente que algo mudara dentro delas, naquele instante. No meio de tantas outras que correm de um lado para o outro (sem que os pais lhes transmitam a importância de prestar atenção ao que acontece no palco) ficam hipnotizadas, arrebatadas. Essa pode ser uma diferença enorme no seu futuro e não necessariamente porque venham a tornar-se músicos, mas pelo estímulo psicológico, emocional, comportamental, ou pelo nascimento de um ideal que trará sentido a suas vidas e poderá mudá-las para sempre.

Como o seu caminho se “chocou” com o blues?

Eu era muito novo (antes de adolescente) quando aconteceu o boom de blues inglês. Jovens ingleses (Clapton, Stones, Mayall, Zeppelin, Alex Korner, etc, etc…), exaltavam os bluesman negros americanos, até então ignorados no seu próprio país (Muddy Waters, Willie Dixon, Howling Wolf, Little Walter, Elmore James). A maciça mídia inglesa impulsionada pelo poderoso show business recém-nascido dos (ainda contemporâneos) Beatles de um lado, os EUA idem com Elvis e depois o templo do rock/blues – Woodstock – de outro, tornaram impossível não ser subjugado por aquela magia toda.

Você nasceu em Angola e o blues na África. Esses dois fatos forjaram a sua essência em quais sentidos?

A África carrega a gênese do blues como você mencionou, no estado mais cru, mais ‘intestinal’ possível. O grito primal, a dança, os sons do Kissanji (Kalimba) que embutem melodia e percussão e algo essencial que é o ritmo. Não foi como um europeu branco que parece desengonçado e engraçado tentando dançar samba ou rumba que eu cresci. Os “beats” dos mais variados compassos e diferentes síncopas, cadências e intervalos de tempo já estavam na minha cabeça desde muito cedo. Talvez por isso falem tanto da minha mão direita tocando guitarra, porque ela age também como uma baqueta.

O que não pode faltar em suas composições?

Sinceridade artística, partículas de rock, soul, blues e jazz, assinatura e guitarra.

Suas influências musicais são oriundas de experiências internas ou de observações externas?

Tenho a sensação de ter nascido músico. Não me lembro de não ser. Aos 5, 6 anos, batucava tudo; facas de mesa quicam quando percutidas, como baquetas em peles esticadas, então eu tocava bateria em pratos, mesas, cômodas, etc. Explorava diferentes timbres, copiando as peças da bateria, pratos, etc. Na escola, (já no primário) canetas eram as baquetas. Tinteiros, vidros das janelas e caixas de lata dos lápis de cor soavam como as frequências altas, e tampos e cadeiras como as caixas e os tom tons. O calcanhar, no chão, como o bumbo.

Caixas de charutos ou bombons viravam caixas acústicas onde enfiava um pedaço de madeira como escala e cordas de fio de pesca; junto com raquetes de tênis eram as minhas guitarras. Até aqui tudo me parece interno, genético. Nunca compreendo quando ouço alguém dizer “decidi ser músico”. Eu nunca decidi isso. No entanto, tenho certeza de que, na mesma idade, fui arrebatado de forma definitiva pela música que ouvi em rádio ou grupos de rock que assisti em festivaizinhos no clube da cidade onde morei até os 9 anos. Enquanto não souber cientificamente se é genético ou ambiental, eu diria que um pouco dos dois, experiências internas e externas.

O que foi fundamental nessas experiências e observações que o fizeram ser o guitarrista tão respeitado que se tornou?

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Um conjunto de coisas. Trabalho sério, profissional, como qualquer outra atividade de ponta, perfeccionismo. Acredito na especialização, na obstinação e em algo muito importante que venho repetindo aos jovens que me perguntam sobre isso: erudição. Assim como na literatura, é preciso ‘ler’ toda a música possível. Aos 16 anos eu tinha cerca de 2000 Lps (fora os singles). Estava em Luanda, mas tinha discos de Baden Powell, Andres Segovia, Paco de Lucia, meus pais ouviam música clássica o tempo todo. Do Brasil, além de Baden Powell tinha Chico Buarque, Edu Lobo, Novos Baianos, Roberto e Erasmo, Secos & Molhados, Jobim, Gilberto, Toquinho e Vinicius. Ouvia Jazz e acompanhei o nascimento do Rock, do Fusion, do Free Jazz, do Reggae, enfim, tudo o que acontecia. Tocava a “La Cumparcita” em festas para tentar ganhar algum para comprar uma Gibson Lespaul Custom (que comprei 17 depois, já fora de Angola e tenho até hoje).

Não tinha só discos de blues como muitos podem pensar. Nem hoje. Ouço pouco blues. Não ia a lugar nenhum sem um violão e normalmente levava LPs embaixo do braço, fosse a escola, fosse a praia, fosse o que fosse. O rádio e o toca discos estavam sempre ligados em casa e no carro dos meus pais ou amigos. Tinha todas as revistas de música possíveis (Rock & Folk, NME, a Pop alemã, a Extra francesa, Rolling Stone, Bilboard… e havia uma Pop brasileira também). Respirava música. Os meus pais relatavam que tinham que mudar de calçada se havia um instrumento numa vitrine, por causa da birra para pegá-lo que ia acontecer, quando eu tinha menos de 6 anos.

Qual elemento que todos os seus discos trazem e que passam despercebidos pelas pessoas, mas que pra você faz toda a diferença?

A especialização e a legitimidade. Quando você atinge um determinado nível de proficiência e intimidade com a sua atividade (seja qual for), o resultado passa (para a média) a ideia de ser “fácil”. Essa percepção é no mínimo ingênua e no máximo redutora. Há muito mais que isso para se chegar a esses resultados. Há uma vida de aprimoramento. Daí aquela sensação de queda livre instantânea da serotonina ao ser comparado, muitas vezes com coisas que ‘parece que são’ mais ainda não são (e talvez nunca venham a ser). Isso é muito comum. Não é porque o sujeito sabe escrever que é escritor.

O que “Live at The Suwalki Festival” significa no atual momento de sua carreira?

O que eu destacaria aqui seria o começo de uma guinada, a minha abordagem e visão da música Angolana, a maioria cantada em dialeto e o fato de saber recentemente que esse show colocou o meu nome na calçada da fama na Polônia junto com nomes que escreveram a história do rock e do blues (que eu já venerava e ouvia obsessivamente quando criança); Eric Burdon & The Animals, Ten Years After, Yardbirds, Canned Heat, Mick Taylor (ex-Stones, Clapton…), Billy Gibbons do ZZ Top, o pessoal do Cream, Ginger Baker e Jack Bruce, The Blues Brothers, mais recentemente Joe Bonamassa, Warren Hynes (Allman Brothers) e outros.

Quais os maiores erros que as pessoas cometem ao falar sobre a sua vida e obra?

Um dos piores erros de uma parte delas é fazerem comparações por falta de informação ou especialização sobre o que falam. Nivelam por baixo. Outra parte é do tipo que julga o gênero pela pessoa e rotula (blues é tudo igual, por exemplo) como se eu fosse uma ameba e não um ser humano dotado de inteligência para me reinventar e com ideias próprias e abertura artística. É como chamar o Chico ou o Paulinho da Viola de Samba, por exemplo. Para esses (muitos, infelizmente e alguns em posições de comando para as quais nunca estivaram à altura) a análise é sobre o gênero, o ‘ouvir falar’ e não sobre a pessoa e o seu potencial. Trata-se de um pré-conceito, o sujeito nem confere.

E ainda há uma outra parte que não fala da minha vida e obra porque não a conhece, justamente por causa desses preconceitos e generalizações. Por exemplo, se você toca bem, cai na gaveta de “Instrumentista” e nunca mais consegue sair dela, mesmo que tocar guitarra represente apenas 10% do que você é capaz de fazer. Melhor não saber tocar então, para acessar prateleiras mais altas? Mas aprendi desde sempre que músico que é músico tem que saber tocar, é o primeiro passo. Em tempos não tão distantes, se o sujeito não fosse proficiente num instrumento podia parar por ali. Poucos sabem como Nat King Cole tocava piano, acham que só cantava. Eu não saberia dizer o que ele fazia melhor, sinceramente.

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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