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Ciro Pessoa critica jornalismo monotemático

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Ciro Pessoa Mendes Corrêa, também conhecido pelo seu nome Dharma Tenzin Chöpel, é um cantor-compositor, guitarrista, roteirista, jornalista, escritor, ativista e poeta, famoso por ser um dos membros fundadores da influente banda de rock Titãs e por seu posterior trabalho com a pioneira banda de pós-punk/rock gótico Cabine C. Em fins da década de 1990, Pessoa formou outro projeto de curta duração, Ciro Pessoa & Ventilador, ao lado de seus ex-parceiros do CPSP Kiko Nogueira e Fábio Scattone, e novos membros Tchelo Nogueira (irmão de Kiko), Laudir de Oliveira, Serjão e Boris. Em 2003, começou carreira solo com o lançamento de No Meio da Chuva Eu Grito “Help” pela gravadora Voiceprint Records. Em 2010 assinou com a gravadora independente Rosa Celeste para lançar seu segundo álbum, Em Dia com a Rebeldia. Atualmente viaja pelo Brasil com seu mais novo projeto, Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, que foi formado em 2010 e desde 2016 é composto por Kim Kehl (guitarra), Luiz Domingues (baixo) e Carlos Machado (bateria). “No Brasil existe uma nítida divisão do que vou chamar de “categorias intelectuais”: de um lado os supostos letrados e do outro os analfabetos sentimentais. Cabe aos primeiros a representação do papel de artistas politizados, mito criado pela anacrônica e patética esquerda brasileira, e aos últimos, os analfabetos, o papel daqueles que se alienam politicamente em nome de sentimentos.”

Ciro, você é cantor-compositor, guitarrista, roteirista, jornalista, escritor, ativista e poeta. Em qual dessas artes e atividades, você acredita que transborde de uma forma seminal, que muitas vezes te deixa perplexo (no bom sentido) com o que criou?

Sem dúvida nenhuma como cantor-compositor. A repercussão dos meus dois primeiros trabalhos, Titãs e Cabine C, me surpreenderam completamente. Como titã, o sucesso estrondoso de músicas como Sonífera Ilha – canção que considero até hoje com uma letra bastante estranha para os padrões da música pop – Homem Primata, Dona Nenê entre outras, foram, como disse, surpreendente. Acredito que nenhum de nós, os Titãs, imaginávamos o alcance que acabou tendo este trabalho.

Quanto ao Cabine C, que teve um sucesso que se restringiu ao underground mas que até hoje é uma banda cultuada com muitos fãs, também me surpreendi positivamente com o alcance que acabou tendo. Neste trabalho tanto a sonoridade quanto as letras eram bastante diferentes de tudo que se fazia na época. Ali misturávamos tonalidades da música árabe com Rimbaud [Arthur Rimbaud, poeta francês, 1854-1891], valsas líricas com Edgar Allan Poe [autor e poeta, 1809-1849] – caso de Pânico e Solidão, o maior sucesso da banda, e A Queda do Solar de Usher, título de um conto de Poe e de uma das faixas do único disco da banda Fósforos de Oxford – e usávamos muitas referências filosóficas niilistas de autores indianos e conceitos budistas. Achava que o Cabine C seria uma banda muito mais cult do que acabou se tornando.

Você começou a tocar aos 12 anos em festivais. Em que momento o rock and roll lhe “picou?”.

Aos sete, oito anos dois discos faziam a trilha sonora da minha casa onde vivia com meus dois irmãos mais velhos e meus pais: Yellow Submarine e Mutantes, o segundo disco da banda. É evidente que nesta época não sabia o que era rock and roll. Mas minha memória afetiva-auditiva revela um profundo amor por estes dois discos. Que, aliás, escuto até hoje. É claro que com o passar do tempo outras bandas e artistas como Jimi Hendrix, Stones, Doors e dezenas de outras foram entrando na minha vida. Mas a “picada” veio mesmo com Beatles e Mutantes.

A maioria dos amantes do mundo da música, sabem que você foi um dos fundadores dos Titãs, mas queremos falar sobre outra banda sua, a Cabine C. Como era fazer rock gótico no Brasil, afinal como se sabe no contexto cultural, a força desse subgênero do pós-punk era forte no Reino Unido e na Alemanha.

Como já disse acima, o Cabine C tinha como conceito a ousadia, o não compromisso com estéticas estabelecidas na época, o experimento e a invenção. Esta expressão “gótico”, que na época dava-se o nome de “dark”, foi uma definição usada a princípio numa matéria de página inteira publicada pelo Caderno 2, do jornal Estado de São Paulo. Os críticos não sabiam como definir aquele som que estávamos fazendo e, pelo fato de citarmos alguns poetas sombrios como Poe e Baudelaire [Charles Baudelaire, poeta francês, 1821-1867], acharam este nome “dark” para nos definirmos. Na época – e até hoje – eu fiquei bastante contrariado com o rótulo. E jamais fui a qualquer tipo de evento que tivesse este rótulo como chamariz.

Houve, por outro lado, uma curiosa sincronicidade entre o Cabine C e outras bandas, principalmente britânicas, como o Cocteau Twins, que estavam aplicando conceitos semelhantes em seus trabalhos. Só vim a escutar estas bandas depois que o Cabine C já estava bem estruturado, com um repertório sólido e uma personalidade definida. E, de fato, notei que haviam algumas semelhanças.

Em 1990, a sua banda CPSP, já fez um som mais leve, inspirados por cantores como Odair José e Jerry Adriani. Quando você teve a ideia de partir para um lado mais pop naquela época?

Quando percebi que o experimentalismo cult do Cabine C tinha se esgotado para mim, resolvi partir para algo diametralmente oposto. Gosto muito de me movimentar no espaço livre que a arte oferece e na minha natural esquizofrenia estética. O CPSP, num certo sentido, tentava resgatar o Ciro Pessoa compositor pop dos primórdios dos Titãs. Mas veja, que curioso, mesmo com um repertório potencialmente explosivo do ponto de vista pop não conseguimos gravar um disco sequer. Naquele período as gravadoras ficavam todas no Rio de Janeiro e havia uma nítida indisposição dos produtores cariocas com bandas de rock paulistanas. Este material, que considero bastante interessante, segue inédito até hoje.

Vamos pegar um gancho da pergunta anterior. Por que você acredita que o Brasil tem tanta dificuldade de ver genialidade em compositores populares como Odair José ou mesmo Antonio Marcos, exaltando sempre compositores que são identificados com a classe média como Chico Buarque de Holanda, e relegando quase totalmente os primeiros?

Porque no Brasil existe uma nítida divisão do que vou chamar de “categorias intelectuais”: de um lado os supostos letrados e do outro os analfabetos sentimentais. Cabe aos primeiros a representação do papel de artistas politizados, mito criado pela anacrônica e patética esquerda brasileira, e aos últimos, os analfabetos, o papel daqueles que se alienam politicamente em nome de sentimentos amorosos e afetivos. Esta divisão absurda e preconceituosa vem desde o modernismo, ou seja, da Semana de 22, quando a esquerda tomou as rédeas do processo cultural e até hoje não as largou.

A arte deve ter um papel social de alguma forma?

Sim. O papel social de fazer com que o público transcenda, sonhe, sinta novas sensações, penetre em mundos paralelos e, principalmente, tenha acesso à estranheza estética. Foi o que o Pink Floyd, dentre muitos outros artistas, como Salvador Dalí [pintor catalão, 1904-1989], por exemplo, buscou em grande parte de sua carreira. Papel social enquanto engajamento político considero algo de uma cretinice e limitação ímpares.

Como um músico que sempre prezou pela qualidade artística, vive em uma época que o jabá dominou todos os espaços, conforme frisado por Erasmo Carlos em uma entrevista dada a nós há alguns anos?

O jabá é um procedimento que existe no Brasil há muito tempo. Creio que desde que os primeiros programas de rádio foram ao ar, o jabá já existia. Li isto numa biografia do Chacrinha, que foi o primeiro DJ brasileiro. Hoje, e isto já é um lugar-comum um tanto quanto perigoso, temos a internet. Mas mesmo ela está cheia de ardis e subterfúgios escusos quando se trata de divulgar o trabalho de um artista que de fato está fazendo arte. Os braços gangrenados e milionários da indústria cultural também estão presentes neste veículo sempre impondo o lixo cultural e criando uma centena de falsos artistas por dia.

Você já escreveu em revistas e jornais como Playboy, Folha de S.Paulo, Galileu, VIP entre outras publicações. Como vê a qualidade do jornalismo que é praticado no país, sobretudo na parte cultural?

Há um grande problema nesta área que o domínio absoluto é da esquerda. É algo tenebroso. Para que um artista tenha algum tipo de espaço nestes veículos é preciso que ele assine aquele termo de “compromisso inadiável com a esquerda”. Durante um certo tempo – agora me cansei – assistia ao programa Metrópolis da TV Cultura só para pesquisar os entrevistados e participantes. 95% tinham vínculos com a esquerda. Ou votaram na Dilma, ou mantinham perfis em redes sociais com imagens de ícones esquerdistas, ou seja, ali só vai quem é da patota esquerdóide. Não interessa a qualidade estética ou artística do artista em questão. A grande maioria, aliás, é péssima. Em resumo, o jornalismo cultural brasileiro é monotemático, enfadonho e altamente pernicioso para o desenvolvimento cultural do país.

Como vê a política nacional polarizada por PSDB e PT, que para estudiosos reflete a Estratégia das Tesouras de Lenin, e quanto isso é danoso para a cultura brasileira?

Bem, não existe nenhuma plataforma cultural estabelecida pelo PSDB. Acabei de falar aqui sobre o programa Metrópolis da TV Cultura que, a rigor, pertence ao governo do Estado comandado pelo PSDB. E, tirando, um ou outro lampejo de lucidez, como alguns participantes do Jornal da Cultura, a programação desta emissora é 100% petista (leia-se dos partidos da chamada base aliada, como o PC do B que mantêm ali uma dezena de militantes). Portanto, tanto o PT quanto o PSDB são extremamente danosos para a cultura brasileira.

Os grandes heróis do rock estão envelhecendo e morrendo, como foi o caso recente do gênio David Bowie. Vê dias de regeneração para o estilo, ou é pessimista como Gene Simmons, que afirma categoricamente que o rock morreu?

Prevejo que até o fim desta década teremos um extenso obituário com os artistas desta brilhante, revolucionária e genial geração. Mas veja, como é possível afirmar que David Bowie morreu com o riquíssimo legado que ele nos deixou? As mortes físicas vão ocorrer em peso, mas a sobrevivência das obras ocorrerão na mesma proporção. É evidente que nos anos 60/70 o rock tinha uma importância seminal dada a situação histórica e mesmo política desta época. Mas ele sobrevive com toda certeza como linguagem. E é o que vem ocorrendo em muitos países que tem uma cultura de fato democrática e proporcionam o surgimento de novas bandas com novas propostas e sempre com espaço para divulgação e apresentação. O que ocorre no Brasil é que a esquerda que está no poder há trezentos anos nunca viu o rock and roll com bons olhos. Me parece evidente que existe um plano bastante consciente deste Governo e seus simpatizantes de exterminar a cultura rocker no Brasil em detrimento do que estes imbecis chamam de “cultura popular”, música sertaneja, samba, pagode, funk carioca, MPB e outros lixos culturais que estão monopolizando o mercado.

Gostaria que falasse um pouco do seu projeto Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada, e se existe algum paralelo entre o nome da banda e o trabalho modernista do francês Marcel Duchamp “Nu Descendo uma escada, n° 2”.

Trata-se de um trabalho que procura ligar o rock psicodélico dos anos 60 com algumas nuances libertárias e extravagantes do surrealismo. O conceito da banda é criar sensações, transcendências e, principalmente, sonhos. De certo modo, portanto, tem a ver com o dadaísmo de Duchamp, assim como tem a ver com Hendrix, Doors, Mutantes e outras bandas emblemáticas dos anos 60. O curioso, vou revelar pela primeira vez, é que acho o nome do quadro do Duchamp, Nu Descendo a Escada, muito mais interessante do que o quadro em si.

Neste momento estamos trabalhando com a sonorização de alguns poemas do meu primeiro livro de poemas Relatos da Existência Caótica lançado pela editora portuguesa Chiado em dezembro do ano passado. São poemas com forte influência das letras psicodélicas e da literatura surrealista. Ou seja, continuamos na mesma estrada onírica…

Última atualização da matéria foi há 2 anos


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